“Sempre gostei das histórias pequenas. Das que se repetem, das que pertencem à gente comum. Das desimportantes. O oposto, portanto, do jornalismo clássico. Usando o clichê da reportagem, eu sempre me interessei mais pelo cachorro que morde o homem do que pelo homem que morde o cachorro – embora ache que essa seria uma história e tanto. O que esse olhar desvela é que o ordinário da vida é o extraordinário. E o que a rotina faz com a gente é encobrir essa verdade, fazendo com que o milagre do que cada vida é se torne banal.”
Eliane Brum
Desafio e prazer é olhar o ordinário com olhos de extra. Coisa que é especialidade de Eliane Brum e de tantos adultos e crianças, capazes de sentir o encontro com o poeta dentro de si.
O interessante nisso tudo é que não é o fato o que mais importa, como provavelmente o seria no jornalismo convencional, mas o que mais importa é qual história esse fato conta.
Um cachorro mordeu um homem. Quem é esse homem? Quem é esse cachorro? Que passos fizeram com que eles se encontrassem? O cachorro fugiu de uma casa? Havia um buraco na cerca? O homem conhece o dono do cachorro? O que ele pensa sobre isso? Como a sua vida mudou ou não depois do que aconteceu?
Nós pensamos, nós sentimos, nós questionamos. E quem dá voz a isso tudo? Quando nos permitimos dar voz ao que há de mais relevante e profundo dentro de cada um de nós? Por que não damos mais voz ao que nos toca? Ao que nos encanta? Ao que nos amedronta? Ao intangível? Quantas chances nos damos para expressar isso no cotidiano?
Um cachorro mordeu a perna de um homem. Ele foi levado ao hospital e passa bem. O dono do cachorro prendeu-o novamente e diz ter consertado a cerca.
Ou:
Desde aquele dia André mudou seu caminho diário. Agora ele caminha cinco quadras para chegar ao ponto de ônibus. Antes ele caminhava duas quadras. André nunca mais vai esquecer do dia que gerou essa mudança. As coisas capazes de mudar a vida acontecem tão rápido como as coisas banais e, aparentemente, sem significado. Foi assim que André sentiu naquele dia os segundos mais longos do relógio. Um dia que não tinha anunciado nada de espetacular até que André foi interceptado no meio de um passo. (…)
Há momentos em que podemos optar pela informação básica, direta e objetiva. Mas há momentos em que podemos optar por conhecer não apenas o que está na superfície, mas também o que se oculta nas dobras da informação.
E você? Você tem dado voz às dobras do seu cotidiano?
Sibélia Zanon
jornalista pós-graduada em Jornalismo Literário
Sim… Aliás isso acontece comigo diariamente… pois a multiplicidade de acontecimentos no meu dia a dia com meus clientes, faz com que esses desdobramentos aconteçam e da muito o que refletir e aprender… Oportunidades de ir fundo tanto do lado de cá, do meu lado, quanto do lado de lá, dos clientes… São vivências múltiplas…